segunda-feira, setembro 19, 2011

 

ONOMATOPEIA?

Catrapuz!...

sábado, setembro 10, 2011

 

REVISÕES DA MATÉRIA DADA

Recurso. Etimologicamente, o acto de desfazer caminho, a possibilidade de fazer um caminho novo, re+cursus. Diz-me o Priberam que a palavra designa um meio para alcançar um fim, um remédio, uma cura, um refúgio, uma protecção e que a conjugação do verbo corresponde ao acto de procurar ajuda ou socorro.

Fico a pensar... Como é habitual nesta nossa complicada e riquíssima língua, chego à conclusão de que estou perante um daqueles conceitos ambíguos, uma faca de dois gumes, um terreno pouco seguro, não propriamente escorregadio, antes acidentado. Porque formulo duas frases. De significado contrário e antagónico. E as duas são verdadeiras ou, pelo menos, a observação dos homens e a vida vivida, disso me convencem: "qualquer pessoa gostaria de ser considerada um recurso" e "ninguém gosta de ser considerado um recurso".

"Conta incondicionalmente comigo". "Podes recorrer a mim sempre que precisares". "Não te esqueças de quem gosta de ti". "Não hesites em procurar-me".

"Eu não sou um pneu sobresselente". "Só se lembra de mim quando precisa". "Tarde piaste". "Cada um faz a cama em que se deita".

Reflicto nisto e, como sempre, fico maravilhada perante a riqueza da natureza humana. Efectivamente, "o Homem é ele próprio e a circunstância". E as diferentes experiências, os outros que interagem connosco, a nossa própria (inadmitida?) incoerência, tornam-nos capazes da expressão da antítese na vida que somos.

Fico inquieta. Profissionalmente eu sou, por excelência, um recurso. Esforço-me por ser de qualidade. Empenho-me, entrego-me, estudo para que, o recurso que sou, tenha o valor que é esperado. Mas não estou imune à minha substância humana. Onde está o momento em que, legitimamente, posso começar a assobiar para o lado? Se não me pagarem? Se não me respeitarem? Se não souberem aproveitar-me enquanto recurso... e dos bons?

E no resto da minha vida? Quando é que aquela linha finíssima - que separa a disponibilidade, a tolerância e o amor ao próximo, da ausência de amor-próprio e auto-estima - aparece, ainda que apenas pontilhada? Nesse momento que direito tenho, enquanto responsável por este ser que sou eu, o único com quem viverei para o resto da vida, como dizia o Oscar Wilde, de assobiar para o lado mas de mim? O que se torna "um recurso" nesse instante?

Volto atrás nestes enleios em que me distraio, para perceber que "recurso" pressupõe "relação". Já devias saber! Tudo pressupõe relação. Pelo menos na tua vida, senhora! E que, por esse motivo, é com o outro que eu sou um recurso (ou que ele é um recurso para mim). E isso basta para que tudo se legitime, para que tenha o direito de ser incondicionalmente disponível ou incondicionalmente indisponível. Na mesma hora, no mesmo instante. Assim difiram as circunstâncias. Até porque, como me ensinou o mestre (que saudades): "Quem não se sente não é filho de boa gente".

quarta-feira, setembro 07, 2011

 

A FÉ. SEMPRE A FÉ.

Cresci na igreja. Literalmente. A minha mãe, vicentina caridosa, dedicado membro da Acção Católica, senhora da alta burguesia da terra, aos sábados, acompanhada da sua dilecta amiga, senhora de uma burguesia ainda mais alta, limpava o pó aos altares da Sé Catedral e compunha arranjos de flores que fariam a comunidade soltar heréticos murmúrios de admiração durante as eucaristias de domingo, face à clara demonstração de humilde entrega cristã.

Eu acompanhava-as sempre. E tinha um altar próprio, só meu, de que cuidava. À entrada da igreja (edifício moderníssimo, imponente, construído no início dos anos 70, controverso e, para sempre, inacabado), à esquerda, a pia baptismal era encimada por um Cristo na cruz, figura dum realismo que dissonava de forma chocante com o minimalismo estilizado do edifício. Talvez por me sentir atraída por esse contraste grosseiro, deleitava-me a limpar, com um paninho e uma escova de dentes usada, cada chaga do corpo daquele desgraçado. Enquanto o fazia, acho que rezava. Mas já nem sei bem. Talvez o fizesse da forma mais pura que pode haver, porque imbuída de uma verdadeira compaixão. Ao passar os dedos por cada ferida aberta, sentia a dor vivida e condoía-me. Havia qualquer coisa de masoquista no acto (“todo o sadismo é masoquismo”, diz-me a mestre), um prazer associado à dor. Uma conexão que o meu cérebro instintiva e automaticamente ainda hoje faz entre sofrimento e gozo… (“sofrer para bela ser”; “no pain, no gain”).

Fui à missa mais do que uma vez por semana durante anos. Conhecia a liturgia quase de cor. Era dos leitores mais requisitados por ter uma voz bonita, clara e ser tão novinha que ficava bem no púlpito. Uma promessa… Ouvi histórias dos “chamados”. Aqueles que o Pai escolhia para integrarem o seu rebanho, para serem as suas ovelhas de ouro. Pedi-lhe sinais para o caminho. E ele deu-mos. Tornando-me tão devassa e voraz pela vida que me mostrou, inequivocamente, a impossibilidade de me confinar a um convento ou mesmo a uma leve entrega leiga à “causa”.

Aos poucos, perdi a necessidade de “lá” ir tantas vezes. Hoje, quando vou à missa, é de visita a casa de um amigo a cujo convite respondo. E como o que ele me serve. E só não bebo porque não há maneira dos homens que mandam na igreja, perceberem que o que faz sentido é o pão com o vinho (comungar das duas espécies, como me ensinou a mãe).

E sei as senhas e as contra-senhas todas. Respondo ao papaguear próprio, ao argumento decorado. Sei as falas e entro nos tempos certos. Algumas saem-me da boca. Outras, do coração. Há, no entanto, uma frase que resume e define o que é, para mim, a fé. É dita aquando do convite para a mesa e funciona como uma afirmação de que acredito, de que, de verdade, existe algo que me toca incondicionalmente.

Aprendi agora – que tenho ido tão poucas vezes às suas festas – que posso repeti-la sempre que me apetecer, como se faz quando se envia um sms a um amigo só para se dizer o quanto se gosta dele ou falarmos das saudades que sentimos. E, quando o faço, sinto, em toda a plenitude, o efeito destas palavras em mim: “Senhor, eu não sou digna de que entreis em minha morada. Mas dizei uma palavra e eu serei salva”.


This page is powered by Blogger. Isn't yours?



eXTReMe Tracker