segunda-feira, outubro 22, 2007

 

SEGREDOS NA ALCOVA

No sábado, dizia-me a Nicas Picas, fazendo a costumada brincadeira de quem bebe pelo mesmo copo mas referindo-se à garfada que deu no prato de bacalhau, já desdenhado pela Ana e meio comido por mim: "Vou ficar a saber os teus segredos..." e arregalou os olhos, fingindo espanto e escandalizado horror, enquanto metia o garfo na boca. Respondi-lhe que não tinha segredos para ela. Respondi sem pensar e, por isso mesmo, de forma autêntica, creio. Retorquiu-me não ser isso uma coisa boa. Ponderei num instante e confirmei: "Não me lembro de nada que possa ser considerado um segredo". E digo-te agora, que já pensei mais do que um instante sobre o assunto, que não acho nada mal que assim seja.

O amor romântico não é nem pode ser incondicional. Posso (ou não) ter segredos que não partilho com a pessoa com quem quero viver para o resto da minha vida. E por essa exacta razão. Devo defender-me, preservar e manter um reduto a que possa regressar em e a qualquer momento. Um espaço em que me permito ser sem constrangimentos de nenhuma espécie, ainda que temporariamente e mesmo que com o intuito de crescer no sentido de promover uma relação cada vez mais plena e satisfatória com quem me complementa.

Mas o amor dos amigos não é assim. É um amor de escolha, livre e descomprometido. Não tenho um projecto de vida com a minha melhor amiga, embora não seja sequer capaz de me imaginar um futuro em que ela não esteja presente. Mas não sinto na nossa relação nenhuma necessidade do tal lugar só meu em que teço, em segredo, os sortilégios da minha intimidade. Não preciso de me ausentar de nós, de guardar em mim segredos, de me acautelar. Não significa que partilhe tudo. Uma ou outra coisa há-de ficar perdida neste labirinto que às vezes sou. Mas é porque sim. Não porque tenha de ser.

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