quinta-feira, dezembro 29, 2011

 

RELATÓRIO E CONTAS

Nunca fiz planos para o Ano Novo, nunca tomei daquelas resoluções de mudança a colocar em prática impreterivelmente na manhã de 1 de Janeiro. Sou mais do tipo balanços. Se calhar, porque sou uma insegura e temo tanto o futuro que prefiro agarrar-me ao que já cá canta, seja bom ou mau.

No dia 1 de Janeiro de 2011, fui a Fátima. Entreguei à Mãe o meu ano novinho em folha. Pedi-lhe que mo gerisse por estar tão incapaz que roçava a inimputabilidade. Assim, dispus-me a ter apenas o usufruto dos 365 dias que se seguiriam e em que nem queria pensar, por serem tantos. Eu, que ainda há tão pouco, tentara ceifá-los e acabar com qualquer alvorada que sobreviesse. Quanto mais 365!...

Mas, afinal, cheguei aqui. À distancia de apenas 2x1 dia que é, como quem diz, só mais hoje e amanhã. A contar como contava os dias que faltavam para a data da festa. “No tempo em que festejavam os meus anos (…) e ninguém estava morto”.

Mal me reconheço na pessoa que viveu os primeiros meses deste ano. Leio coisas que não me lembro de ter escrito, embora seja a minha letra – ainda que mais feia e desordenada – que encontro em pequenos apontamentos feitos aqui e ali que, hoje, me apanham de surpresa, ao abrir o caderno da escola ou o livrinho das notas que tomo na supervisão ou, ainda, aquele caderninho que tenho na mesa-de-cabeceira e que foi um presente de um presente do céu.

Quando me perguntam como estou agora, respondo, invariavelmente e desde há cerca de dois meses, que “Andei perdida, fui ao fundo mesmo fundo mas já estou quase eu. Ainda não totalmente mas quase”. Esta frase tem-me soado estranha. Há qualquer coisa no seu conteúdo que não ressoa cá dentro. Como se estivesse a ser dita por outra pessoa ou como se eu estivesse a falar para alguém e não com alguém (como me ensinou o meu saudoso Mestre) quando a formulo.

Pensei que fosse por não me identificar com o nacional espírito fatalista (embora cada vez goste mais de fado e seja a única música que consigo ouvir quando estou triste, provavelmente para sintonizar com o afecto sentido). Aquela coisa de não dizer que estamos bem, sim senhor. Não vá dar azar… Ou alguém com um olho muito gordo invejar-nos o sorriso e a luz que desatámos a emanar.

Quando se pensa em alguma coisa, de forma empenhada e honesto desejo de tomar consciência, tornamo-nos clarividentes. A justificação que parecia tão lógica, não me satisfez. Do contra, como sei que sou, não me revejo no estar lusitano, nesta coisa que, por certo, remonta a um passado glorioso que tivemos e que, por má sorte ou olhado, perdemos, até nos confinarmos a ser pouco mais do que a praia da Europa.

Portanto, o meu titubear, a minha falta de vontade de afirmar-me completamente bem, teria de ter outra origem, outro significado. Como sempre, veio de repente: Claro!... Há aqui uma incongruência que reitero na minha insistência no ainda. Digo: “Ainda não estou totalmente eu”. Ainda não estou eu porque não sou aquele eu!

Morri. Verdadeiramente. Em dada altura. Não numa data específica mas por uma série de dias a fio. Uma morte lenta, agonizante, extremamente dolorosa. Vivi as chamadas “melhoras da morte” para, logo de seguida, sucumbir definitivamente. Sufoquei em pranto, em nós cegos atados ao estômago, soçobrei exangue, entreguei-me à foice. Morri e matei. Fui semeando dor à minha volta. Queimei tudo em que toquei. Cerquei-me de aridez.

Apaguei-me do mundo. Deixei de existir. Não quis saber de nada nem de ninguém. Era peso demais para o meu corpo de morta-viva. Fui. Lá, no limbo em que me acolheram, deixei-me ficar. Entreguei-me sem esperança, sem dor, sem paz, sem nada. Toda eu uma coisa nenhuma. Depois, quando chegou o momento, reencarnei. “Na vida que escolhi”.

Este “eu” já sou um eu. Sou alguém que perdeu a visão romântica do ser humano sem, contudo, ter perdido a fé nas pessoas. Sou ponderada, paciente, contida. Sem, contudo, ter perdido a alegria, o entusiasmo, a espontaneidade. Sei viver cada dia como se a vida toda dependesse apenas disso, sem me preocupar com o quanto o amanhã é condicionado pelo que faço hoje. Sei que, agora, é tudo o que tenho. E que a minha obrigação é vivê-lo. Aprendi a dizer “não” e, com isso, a dizer verdadeiramente “sim”. Permito-me o prazer de nada fazer e a ninguém agradar a não ser a mim, se para isso estiver virada. Ou o oposto, completamente. Reencarnei livre. E, acredito, capaz de assumir toda a responsabilidade que a liberdade total acarreta. Com medo. Que é sentimento humano e necessário. Mas com coragem. E desprendimento. E desapego.

Nada é meu. Nada é certo. Nada é para sempre. Somente eu. Que, afinal, já sou.

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