terça-feira, março 21, 2006
MARIA AMÉLIA
Tive sempre muitas amigas. Meninas. Que os rapazes tinham predilecção por brincadeiras estúpidas e que davam muito trabalho. A primeira de todas chamava-se Helena Soraya, era loira e tão branca que eu vivia encandeada de olhos postos naquele meu raio de sol. No Jardim-Escola escondíamo-nos por trás do imbondeiro e dávamos beijos: línguas em riste, a tocarem-se só nas pontinhas, o calor assim gerado a espalhar-se pelo corpo todo. Tínhamos 3, 4, 5 anos. No início da primária fiz uma concessão. Aceitei como parceiro de folias o meu primo. Pesadão, gordalhufo, ainda tinha menos propensão para brincadeiras de meninos do que eu... mas também não dávamos beijos nem nos esfregávamos um no outro. Tornava-se aborrecido... Na 2.ª classe estava tão apaixonada pelo menino mais bonito da sala e tão atarefada a fugir do Zé António, cigano temido que me sussurrava todos os dias "vou-te foder" e que acabou por morrer atropelado anos mais tarde, decerto ainda no efeito das pragas que lhe roguei, que nem tive disponibilidade para amizades.
O corrupio começou 1 ou 2 anos mais tarde. Foi a D. que, invejosa das minhas maminhas já espetadas, se deixou convencer a sujeitar-se ao tratamento da bomba de tirar leite. Não consigo imaginar a dor que lhe devia causar, os carocinhos sugados, sugados, sugados e eu libidinosamente feliz, a apertar a borracha. A O., calada, maria-rapaz, que acedia em deitar-se na minha cama e me fazia inventar mil maneiras de a seduzir. A A. V. com quem eu perseguia o Félix, empregado de casa, de saias no ar, sem cuecas, aos gritos de "vê, vê e agora mostra-nos a tua pila" e com quem li o "inacessível" "Nós dois e o Sexo", um incipiente Kamasutra da minha mãe. A A., muito senhora, muito vaidosa, que mudava de roupa à hora do almoço e pintava as unhas de encarnado. Por causa dela, obriguei a minha mãe a assinar um papel em que se comprometia a autorizar-me pintar as unhas das cores que eu quisesse a partir dos 15 anos... A paixão pela L., aos 13 anos, quase me consumiu. E depois a I., no ano a seguir. E depois... uma série de outras, que me deixavam sempre rendida. Ou porque me deslumbrava com elas e ficava suspensa da sua atenção ou porque se deslumbravam comigo a ponto de me deixarem ser má, mesquinha, prepotente, desprezá-las de forma insuportável mas perversamente feliz.
A algumas destas amigas perdi o rasto. Outras ainda fazem parte da minha vida, de forma mais ou menos intensa, em graus variáveis de contacto. Regra geral, mantém-se a tónica das nossas relações, o tipo de equilíbrio que as caracterizava. De todas elas, há uma que é única. Tão especial que me faz sentir fisicamente o laço que nos une. Não é laço. É um cordão forte e inviolável. Incorruptível. Tínhamos 10 anos quando a conheci. Era tão independente, tão autónoma, tão decidida que, de imediato, me deixou presa. Sabia tantas coisas. Conhecia tantas músicas. O mundo dela era tão grande. Antes de nos separarmos, com um oceano pelo meio, passou uma tarde comigo. Despediu-se toda solta, sem demonstrar perceber que eu estava a chorar tanto por dentro, a morder-me toda para não dar parte de fraca, mariquinhas-pé-de-salsa. Fiquei a vê-la descer a rua, no passo decidido do costume. Durante anos não lhe perdoei não se ter voltado para mais um aceno. Voltámos a encontrar-nos, sempre de fugida, entre viagens, com espaços de anos. Às vezes escrevíamo-nos e foi assim que fui sabendo das suas sucessivas perdas. Contei-lhe tudo da minha vida, com uma confiança que dedico apenas a alguns, cobarde que sou. Sem medo de nada. Nem do julgamento dela nem do mal que pudesse fazer-me por ser detentora de tanto da minha intimidade.
Faz hoje uma semana que estive com ela. Já não a via há 9 anos. E no abraço que lhe dei estava lá tudo. E recebi tudo também.
O corrupio começou 1 ou 2 anos mais tarde. Foi a D. que, invejosa das minhas maminhas já espetadas, se deixou convencer a sujeitar-se ao tratamento da bomba de tirar leite. Não consigo imaginar a dor que lhe devia causar, os carocinhos sugados, sugados, sugados e eu libidinosamente feliz, a apertar a borracha. A O., calada, maria-rapaz, que acedia em deitar-se na minha cama e me fazia inventar mil maneiras de a seduzir. A A. V. com quem eu perseguia o Félix, empregado de casa, de saias no ar, sem cuecas, aos gritos de "vê, vê e agora mostra-nos a tua pila" e com quem li o "inacessível" "Nós dois e o Sexo", um incipiente Kamasutra da minha mãe. A A., muito senhora, muito vaidosa, que mudava de roupa à hora do almoço e pintava as unhas de encarnado. Por causa dela, obriguei a minha mãe a assinar um papel em que se comprometia a autorizar-me pintar as unhas das cores que eu quisesse a partir dos 15 anos... A paixão pela L., aos 13 anos, quase me consumiu. E depois a I., no ano a seguir. E depois... uma série de outras, que me deixavam sempre rendida. Ou porque me deslumbrava com elas e ficava suspensa da sua atenção ou porque se deslumbravam comigo a ponto de me deixarem ser má, mesquinha, prepotente, desprezá-las de forma insuportável mas perversamente feliz.
A algumas destas amigas perdi o rasto. Outras ainda fazem parte da minha vida, de forma mais ou menos intensa, em graus variáveis de contacto. Regra geral, mantém-se a tónica das nossas relações, o tipo de equilíbrio que as caracterizava. De todas elas, há uma que é única. Tão especial que me faz sentir fisicamente o laço que nos une. Não é laço. É um cordão forte e inviolável. Incorruptível. Tínhamos 10 anos quando a conheci. Era tão independente, tão autónoma, tão decidida que, de imediato, me deixou presa. Sabia tantas coisas. Conhecia tantas músicas. O mundo dela era tão grande. Antes de nos separarmos, com um oceano pelo meio, passou uma tarde comigo. Despediu-se toda solta, sem demonstrar perceber que eu estava a chorar tanto por dentro, a morder-me toda para não dar parte de fraca, mariquinhas-pé-de-salsa. Fiquei a vê-la descer a rua, no passo decidido do costume. Durante anos não lhe perdoei não se ter voltado para mais um aceno. Voltámos a encontrar-nos, sempre de fugida, entre viagens, com espaços de anos. Às vezes escrevíamo-nos e foi assim que fui sabendo das suas sucessivas perdas. Contei-lhe tudo da minha vida, com uma confiança que dedico apenas a alguns, cobarde que sou. Sem medo de nada. Nem do julgamento dela nem do mal que pudesse fazer-me por ser detentora de tanto da minha intimidade.
Faz hoje uma semana que estive com ela. Já não a via há 9 anos. E no abraço que lhe dei estava lá tudo. E recebi tudo também.
Comments:
<< Home
E foi como se se tivessem despedido na véspera em vez de 9 anos antes, quase que apostaria. :)
(não posso vir a este blog, que fico sempre de lágrimas nos olhos).
Beijos.
(não acredito é que sejas cobarde; dedicar apenas confiança a alguns pode ser muita coisa: protecção da privacidade e da intimidade, sabedoria, coisas assim, mas não é cobardia nenhuma)
(não posso vir a este blog, que fico sempre de lágrimas nos olhos).
Beijos.
(não acredito é que sejas cobarde; dedicar apenas confiança a alguns pode ser muita coisa: protecção da privacidade e da intimidade, sabedoria, coisas assim, mas não é cobardia nenhuma)
Como gosto de te ler! E como aprecio estes relatos! É-me impossível vir ao TEU blog e não ficar ensurdecida pela emoção ... Bem vinda!
Um grande beijinho! (é melhor serem dois grandes beijinhos ...)
Um grande beijinho! (é melhor serem dois grandes beijinhos ...)
Bem, lá vinha eu com um relambório todo catita... e perante tantos ensurdecimentos... pois me fico pela emoção! :)
Enviar um comentário
<< Home