segunda-feira, março 17, 2008

 

POSTE DEDICADO *

Há muito tempo, quase ainda adolescente, li um livro da Patricia Highsmith que tem, em português, o título "As Pessoas Que Nos Batem à Porta". Nos últimos anos, tem-me vindo à ideia, repetidamente, essa frase, embora num contexto um pouco diferente daquele a que se refere a autora. No livro, ela fala dos vendedores, tão americanos, típicos dos anos 50-60, penso eu, que percorriam aquele imenso país a vender de tudo: avon, aspiradores, seguros... Na minha vida, a porta é um pouco mais simbólica, mas, no meu quadro de referências de memórias e sentires, acaba por ir dar ao tal título.

Há 4 anos, desataram a bater-me à porta. Durante muito tempo, tempo demais por ser tempo contra mim, contra o que sou, vivi sem porta onde alguém pudesse bater. Ou porque era tão espessa, de interior em lã de aço, que impedia a passagem de qualquer som ou porque, simplesmente, não existia. Nada interposto entre mim e os outros. Que, na prática, dá exactamente no mesmo. E imagino-me de olhos vítreos a vê-los, através deles, adormecida para os estímulos. Tal como estava alheia a tantas coisas. Porque, e ainda bem, temos um mecanismo de homeostase interna que, apesar de tudo, vai funcionando mesmo em momentos críticos, para não nos deixar alienar de todo.

Depois, de repente mas com aviso (que fui sentindo como um desentorpecimento nas entranhas), comecei a ouvir uns sons. Ainda não era gente - "que gente não bate assim" - mas já era vida. E desataram a entrar-me pela casa, eu com a porta já só tão encostada, que qualquer leve bater a abria. E, com o meu pedaço de céu, entrou um batalhão de anjos, seus guardiães e, agora, também meus.

Hoje, já tenho a porta fechada de novo. Só no trinco e é de madeira nobre. Serve muito bem a sua função. Estabelece a fronteira entre mim e o mundo mas deixa-me ouvir tudo o que se passa na rua. Abro-a quando quero e, às vezes, encontro alguém que ainda não bateu mas estava a pensar nisso. Outras vezes ouço bater e deixo o coração decidir da minha disponibilidade. Tem sido muito bom. Mas de tudo o que a minha porta já me proporcionou, há momentos que são tão especiais que me enchem de luz: quando qualquer coisa me diz que tenho de franquear a porta e, do outro lado, está alguém para RE-conhecer.

* já não me lembrava o quanto gosto de ver nascer o dia

Comments:
Por muito estranho que esta pergunta possa parecer - vinda de mim - quando me pergunto se realmente a magia existe, alguém lá em cima se encarrega logo de me enviar uma resposta. Essa resposta pode chegar das formas mais inusitadas, mas chega de forma inequívoca.
Estar do outro lado da tua porta não seria suficiente se não me reconhecesses e não sentisses que a podias abrir.
Também já não me lembrava como podia ser bom ver nascer o dia, e este nasceu repleto de luz e de uma alegria de RE-encontro que há muito não sentia, mas que sei que me fazia muita falta! Não sei porquê, mas sinto que sim... e basta-me!
Então, acho que é a este tipo de situações que se deve chamar magia.
 
um texto muito bonito com um pouco de todos nós dado q os humanos assim funcionam tal como tu descrevês te bem no post...

e como é bom voltar a reencontrar

:)
 
entre a misoginia sombria da highsmith e a sua visão de fé sobre as pessoas que lhe batem à porta, é fácil optar pela alternativa optimista e esperançosa :)
mas lá que é uma associação engraçada e inesperada, lá isso é.
 
com o "homeostase interna" é que me tramaste!!
 
e será que a magia do nascer do sol tem, por artes mágicas, se perpetuado pelos restantes dias?
 
coisas e loisas
...ou regras
a tudo lançamos mão
só para não nos sentirmos
...sós
 
Bonitas as imagens singelas e visuais a que recorreste.Gosto da tua escrita ;)
lesbianornot.wordpress.com
 
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