quinta-feira, setembro 09, 2010

 

(S)(N)EM TÍTULO

Várias vezes me pediste um poste sobre a distinção entre desespero e desesperança. De cada vez que o fazias, desencadeavas em mim aquela gargalhada que bem conheces e que é a minha maneira de responder um "nem penses!...".

Sabes que só escrevo sobre o que sinto. E há muito que não sentia nem uma coisa nem outra. O meu temperamento optimista, tão instintivo e incontrolável, sempre me defendeu da desesperança, da sensação de ver em frente apenas uma cor parda, nem nevoeiro sequer. Que esse ainda traz sebastianas promessas. A vida também se encarregou de me acicatar a tendência, oferecendo-me revoadas de pó, tempestades de areia, passíveis de me toldarem as vistas largas que insisto em ter. Mas sei esfregar bem os olhos (e a voz da mãe: "os olhos só se coçam com os cotovelos") e pisco pisco pisco e sopro sopro sopro e vislumbro sempre a paradigmática luzinha ao fundo do túnel. Mesmo que seja apenas uma ilusão. No entanto, o suficiente para tingir de verde o mundo que os meus olhos abarcam.

Ao desespero, tenho-o domado com o tempo. É tarefa árdua para os impulsivos e sôfregos. Também a vida - como é que se pode viver sem se lhe dar atenção - me tem ensinado que é sentimento que não me leva a lado nenhum. Lentifica-me as sinapses. Bloqueia-me os reflexos. Revolta-me o estômago em espasmos dolorosos. Cria-me um novelo de lã grossa e áspera no exacto local em que fazem as traqueotomias. Tudo dispensável, portanto.

...

Sinto desespero. Quando não consigo explicar-te o que aconteceu. Quando te vejo em dor. Quando não aguento cá dentro o peso de ter feito tudo mal. Quando o desamparo toma conta de mim, fazendo-me sentir órfã de mil progenituras. Quando a dor é tanta - mas tanta - que ouço o seu gorgolejo para cima e para baixo nas entranhas.

Sinto desesperança. Quando não consigo abrir os olhos, nem para ver se a cor é parda. Quando debaixo dos meus pés há apenas ar. Quando os ossos do meu peito se expandem, como se fossem pélvicos mas para parirem nada.

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