terça-feira, janeiro 18, 2011

 

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Chegou com aquele vinco entre as sobrancelhas, o sorriso de sempre, o olhar directo, franco, de pessoa em quem se confia. Detenho-me um pouco a observá-la, menos disfarçadamente do que sempre faço e apercebo-me de há qualquer coisa que não joga. O conjunto é harmonioso, agradável. Mas aquele cenho franzido não condiz com o sorriso aberto. E os olhos... brilham de quê?

Dou-lhe silêncio. Abro em mim aquele espaço interior que só existe neste espaço físico. Naquele momento, somos "dois animais num quarto", em plena sintonia. Preparo-me para o que aí vem. Por mais vezes que o faça, por mais anos que passem, é sempre uma surpresa. E, hoje, sei que vai ser em grande. Sinto a densidade que se cria no ar entre nós. O canal da ressonância que fica no on.

Ela levanta a cabeça, olha-me bem fundo, ignorante da teoria subjacente ao processo em curso mas plenamente consciente do que nos faz sentir e, som por som, cada inflexão da voz dando conta da emoção subjacente, inicia o striptease à frente do espelho que sou eu.

Mas, de repente, já não sou espelho. Sou eu que me vejo reflectida ali. A dor é minha. O desalento é meu. É minha a procura do sentido. O desejo... há desejo? Apagar a memória. Entrar numa realidade de filme de ficção científica e poder orgulhosamente ser pioneira num lançamento no espaço desconhecido e cheio de perigos, em busca de novas galáxias. Ou testar pílulas douradas que permitem apagar qualquer memória, numa promessa dum agora novinho em folha. Ir, ir, ir. Embora daqui. Da vida que me zanga porque já nem sequer me cansa. "Começar de novo e contar comigo". Que tolice de conversa! Há lá outra forma de começar? A serenidade que advém das decisões que se tomam, das escolhas que se fazem. O tédio que se segue. A pergunta que se insinua e nos estraga a trip: para quê o esforço? Amanhã vou acordar de novo. Mais ou menos à mesma hora, nos mesmos lençóis, repetir os gestos de sempre sempre sempre sempre. Quanto da minha vida depende de mim, afinal? Quanto muda eu tomar firmemente as rédeas nas mãos? Eu ter a ilusão de que tomo firmemente as rédeas nas mãos... A única possibilidade de isso acontecer seria se só houvesse amanhã. E, talvez, um bocadinho do hoje, do agora. Para podermos preparar uma "bucha" para a viagem. De amanhã, claro.

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