sexta-feira, janeiro 21, 2011

 

DEIXAR FALAR OS DEMÓNIOS

Sempre me acusaram de ser demasiado voluntariosa na forma como tomo decisões. Muitas vezes, fui chamada à atenção por não levar em linha de conta a opinião de quem acaba por ser arrastado, sem espaço para expressão própria, para as escolhas que faço, para aquilo a que me proponho.

Durante anos, foi-me impossível pedir ajuda, fosse para o que fosse, desde as coisas mais prosaicas aos assuntos mais sérios e, ainda mais, aceitá-la. Alguns anos de terapia depois, sou hoje um pouco mais capaz, embora ainda não me seja absolutamente confortável encontrar-me em situações do género que, muito estupidamente, me fazem sentir uma vulnerabilidade que me assusta. Profissionalmente melhorei bastante: apesar da minha mania de que não há quem faça melhor do que eu (e o povo não ajuda quando adagia que "se queres bem feito, fá-lo tu") já consigo delegar, já consigo acreditar que outros podem fazer, tanto - mas ainda não tão bem - quanto eu.

Ontem tomei contacto com partes de mim que, em certa medida, podem "explicar" porque sou assim. E quando algo se torna consciente e estamos empenhados num compromisso de responsabilidade, não podemos senão encarar os demónios que nos habitam e acolhê-los como nossos.

Desde muito pequena que fui sobre-responsabilizada. Tinha 4 anos quando, por castigo, fui obrigada a subir sozinha num elevador, por ter partido uns copos que a minha mãe acabara de comprar e cujo transporte entregara aos meus cuidados... Aos 15 anos, fiquei a viver por minha conta, sem ninguém, com um orçamento mensal disponível superior ao dos meus colegas do liceu em, pelo menos, 500%, com os pais a 7000 km de distância, com quem falava, ao telefone e com sorte, uma vez por mês. Podia tudo. E por isso, sentia o peso de não poder nada. Nunca me perdoariam qualquer quebra da confiança depositada em mim. Havia sido criada, educada, moldada para cumprir o que era esperado. Não havia pior pecado do que ignorar os talentos com que deus pai nosso senhor nos tinha brindado. E isso incluía ser capaz de, competentemente, tomar conta de mim. E fazia noitadas mas não faltava a uma aula. E fumava charros e tomava speeds mas tinha óptimas notas. E não comia mas era gorda.

Aprendi muito cedo que só podia contar comigo. Que o colo era bom mas condicionado ao meu desempenho. Que, se queria (e se eu era de querer, até porque outra coisa não me seria permitida) tinha que me esgadanhar para o conseguir. Sempre a história dos talentos a render. E foi assim que aprendi a não precisar de ninguém, para não ter de tropeçar na ausência. Desenvolvi mil capacidades e competências (há dias chamaram-me centro comercial, tal é o número e diversidade de coisas que sei fazer e de serviços que posso prestar). Para ser auto-suficiente. Para garantir a minha sobrevivência mesmo no mais inóspito lugar do mundo que era onde eu vivia.

E por ser tanto aquilo a que tinha de dar atenção, não tive nunca tempo para abrir espaço para uma alteração do que vivia. Acho que nem nunca me passou pela cabeça que pudesse haver outras formas de vida. Por defesa e sentido de eficácia, aprendi a ser arrogante, a decidir sozinha, a "pôr e dispor" de tudo na minha vida. E sem tempo a perder. Para não ser atropelada pelos acontecimentos. Habituei-me a conseguir tudo o que queria no momento seguinte à tomada de consciência do querer. Só dependia de mim, não é verdade? Quero. Tenho. Já.

Ontem, os demónios que me vêm atazanando há meses, deram-me a notícia que, intimamente, eu já conhecia mas temia enfrentar: as coisas já não são assim, maria carolina. Quiseste aprender a confiar, não foi? Achaste que te podias permitir contar com, partilhar, acreditar no outro? Pois é... com isso vem uma coisa que se chama entregar. E fazê-lo, mas fazê-lo bem, significa que não és tu que controlas nada. Que não és tu que decides. Não és tu que dizes quando. Tens, agora, finalmente, a última prova para superar, nesse assumir pleno de quem és a que te propuseste. A espera. A derradeira barreira que te separa da entrega total. Aprende. Aguenta. Segura-te. ESPERA.

Comments:
Minha querida, há já alguns 2 ou 3 meses que não passava por aqui, confesso (sim, era daquelas que te frequentava com alguma regularidade em silêncio). Mas hoje, depois de ontem, vim com mais calma e parei para pôr a leitura em dia. Hoje... com este post, fizeste com que o silêncio se rendesse à emoção e algumas lágrimas subissem até aos olhos...

... no final veio o desabafo interno romper o momento: "como eu te entendo..."



À semelhança de ti, também eu gostei muito de te conhecer... Senti-o no olhar. Gostava muito que nos voltassemos a encontrar sim. Não será esta uma daquelas coisas de que a vida dá voltas e mais voltas para as pessoas se encontrem?

Beijinho querida,
CA
 
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