terça-feira, janeiro 04, 2011

 

DESILUDE-ME. PARA QUE TE AME.

Há dias numa (boa) conversa sobre o amor, lembrei-me da tão batida frase de Saint-Exupéry "Tu deviens responsable pour toujours de ce que tu as apprivoisé". E ocorreu-me que, ou é uma ideia absolutamente perversa, ou eu nunca consegui entender o autor. Um bocado o que acontece com a Bíblia que é tão simples e os homens fazem-na tão complexa e usam-na como instrumento dos seus fins. Custa-me aceitar que aquele livro tão belo possa consistir em propaganda de uma forma errada de amar... Para mim, o acto de amar é absolutamente unívoco. Quem eu amo não tem qualquer responsabilidade nisso. Quem me cativou não tem qualquer obrigação para comigo. É uma coisa minha. E imaginar que o meu amor possa causar no outro qualquer sentido de responsabilidade é algo que, praticamente, me repugna. A responsabilidade é o acto de responder por. Como pode um outro responder pelo amor que qualquer alguém nutra por si? Isso é relegar o amor para um nível de troca. De crença em que tu me amas porque eu te fiz alguma coisa para que isso acontecesse. E, por isso, eu desempenhei um papel, eu arco com as consequências. E, muitas vezes... eu sofro! Amar é um verbo que não precisa de pronome reflexo. Claro que, quando o sentimento é correspondido, quando se dá o encontro mágico de almas, corpos, seres, ou qualquer outra instância humana que entre em uníssono, o paraíso vive-se na terra. Eu já soube como é.

Mas se a mensagem que a raposa passa ao Principezinho é, realmente, a de que o amor é uma prisão cheia de responsabilidades alheias, então eu tenho de lidar com a minha desilusão, por ter gostado tanto daquele livro. O que só pode ser uma coisa boa. Quando alguém me diz, com voz magoada "eu amava-o tanto e ele desiludiu-me!", respondo, com um sorriso que há-de parecer sádico mas que é, sobretudo, empático (e, admito, um pouco auto-satisfeito) "que bom! então é agora que vai saber se o ama verdadeiramente ou não". É que a desilusão é des-ilusão, ou seja, o desfazer da ilusão, da idealização que fazemos dos outros, o olhar sem filtro, a constatação das misérias alheias, das fraquezas e inseguranças, o encarar dos podres espalhados como que em praça pública.

Não acredito em amor sem desilusão. Já estive muitas vezes apaixonada nesta minha vida tão rica. Já amei de muitas maneiras. Já me dei e recebi em doses e formas diversas. Defendi-me como pude das desilusões, para não ter de tomar atitudes e poder continuar a viver como se nada fosse, até que as "coisas" caíssem de maduras ou me autorizasse a desempenhar o papel da compungida desiludida, lastimando a má sorte que me levara ao engano... tudo muito bem encenado numa peça de representações várias, em que eu era público e actor.

Sem ter sequer a menor noção do que é e para que serve ser verdadeiramente desiludido: levar-nos ao amor mais esclarecido, mais responsável, mais autêntico que pode haver.

Comments:
Hoje eu sei mais uma coisa: que a quantidade pode ter muita qualidade.
Fantástico, Maria!
Enquanto não comento ... "ofereço-lhe" ...
http://www.youtube.com/watch?v=Nkgezt05MOE ...
desejando-lhe toda a tranquilidade.
Boa noite.
Ah! As palmas, claro, são para si!!!
 
Tanto sentido nas tuas palavras!
 
O Saint-Exupéry não sabia o que dizia... ;)
 
Obrigada, Carla! Que bem escolhida música para me trazer tranquilidade. E as palmas não podem ser para mim! Nunca estaria ao nível daquele desempenho fantástico.

Um bom dia para si.
 
Anónimo 1: sabia que gostarias...
 
Anónimo 2: achas mesmo? vou reler os livros todos!
 
Em relação ao "Principezinho", sempre entendi esse "cativar" como algo de recíproco, como o autor diz "criar laços" e, os laços, na minha opinião, só fazem sentido se existirem duas pessoas. Sermos "responsáveis" por essas pessoas, entendi como preocuparmo-nos, desejarmos contribuir para a felicidade da(s) pessoa(s) com quem estabelecemos os tais laços de todas as formas e feitios. Por isso, até aqui isso não me fêz confusão. Mas o que me põe mesmo a pensar é o "eternamente". Mas como é que sabemos quanto tempo nos sentiremos cativados? A vida não é uma coisa estática e, muito menos as pessoas. O "eternamente" pode ser, pode acontecer, mas ... não tem que ser.
O melhor é desconfiarmos sempre das coisas absolutamente "lindas", pura e simplesmente porque, na minha opinião, elas não existem.
Quanto à (des)ilusão ... digo somente que é fabulosa a forma como conseguiu explicar de forma simples, algo de muito complicado. Também me pôs a pensar ... mas concordo consigo, faz todo o sentido!
 
daqui a 2 ou 3 sessões isto é capaz de se encaixar. depois, logo te digo o que elaborei. :)
 
aNa!... vou esperar com toda a curiosidade e expectativa. (conversa boa em perspectiva, que fixe!)
 
Pode até ser tremendamente difíl fazê-lo, mas ninguém disse que era fácil, só disseram que ia valer a pena. E vale, garanto. ;)
 
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