sábado, setembro 10, 2011

 

REVISÕES DA MATÉRIA DADA

Recurso. Etimologicamente, o acto de desfazer caminho, a possibilidade de fazer um caminho novo, re+cursus. Diz-me o Priberam que a palavra designa um meio para alcançar um fim, um remédio, uma cura, um refúgio, uma protecção e que a conjugação do verbo corresponde ao acto de procurar ajuda ou socorro.

Fico a pensar... Como é habitual nesta nossa complicada e riquíssima língua, chego à conclusão de que estou perante um daqueles conceitos ambíguos, uma faca de dois gumes, um terreno pouco seguro, não propriamente escorregadio, antes acidentado. Porque formulo duas frases. De significado contrário e antagónico. E as duas são verdadeiras ou, pelo menos, a observação dos homens e a vida vivida, disso me convencem: "qualquer pessoa gostaria de ser considerada um recurso" e "ninguém gosta de ser considerado um recurso".

"Conta incondicionalmente comigo". "Podes recorrer a mim sempre que precisares". "Não te esqueças de quem gosta de ti". "Não hesites em procurar-me".

"Eu não sou um pneu sobresselente". "Só se lembra de mim quando precisa". "Tarde piaste". "Cada um faz a cama em que se deita".

Reflicto nisto e, como sempre, fico maravilhada perante a riqueza da natureza humana. Efectivamente, "o Homem é ele próprio e a circunstância". E as diferentes experiências, os outros que interagem connosco, a nossa própria (inadmitida?) incoerência, tornam-nos capazes da expressão da antítese na vida que somos.

Fico inquieta. Profissionalmente eu sou, por excelência, um recurso. Esforço-me por ser de qualidade. Empenho-me, entrego-me, estudo para que, o recurso que sou, tenha o valor que é esperado. Mas não estou imune à minha substância humana. Onde está o momento em que, legitimamente, posso começar a assobiar para o lado? Se não me pagarem? Se não me respeitarem? Se não souberem aproveitar-me enquanto recurso... e dos bons?

E no resto da minha vida? Quando é que aquela linha finíssima - que separa a disponibilidade, a tolerância e o amor ao próximo, da ausência de amor-próprio e auto-estima - aparece, ainda que apenas pontilhada? Nesse momento que direito tenho, enquanto responsável por este ser que sou eu, o único com quem viverei para o resto da vida, como dizia o Oscar Wilde, de assobiar para o lado mas de mim? O que se torna "um recurso" nesse instante?

Volto atrás nestes enleios em que me distraio, para perceber que "recurso" pressupõe "relação". Já devias saber! Tudo pressupõe relação. Pelo menos na tua vida, senhora! E que, por esse motivo, é com o outro que eu sou um recurso (ou que ele é um recurso para mim). E isso basta para que tudo se legitime, para que tenha o direito de ser incondicionalmente disponível ou incondicionalmente indisponível. Na mesma hora, no mesmo instante. Assim difiram as circunstâncias. Até porque, como me ensinou o mestre (que saudades): "Quem não se sente não é filho de boa gente".

Comments:
Dá-me a mão. Segura-te. Olha para mim, sorri. E agora, sem medo e com a certeza que não estás só, vamos.
Faz de mim um recurso para fazermos o teu nosso percurso.
 
recurso faz lembrar-me outra palavra. Re-Correr, recorrer. Sabes que podes recorrer a mim, não sabes?
 
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